Eu estava escovando os dentes para ir trabalhar. Uma tia telefona, minha mãe atende. Meu pai morreu. Minha mãe derrama algumas lágrimas, eu permaneço impassível.
Ainda estou, e sinto-me mal por não ter sentido nada além do espanto no momento da notícia.
Fui trabalhar - como sempre, estou escrevendo no metrô - e no caminho até a estação me lembrei dele, uma figura meio quixotesca, cavaleiro do ridículo que não conseguia domar seus próprios desejos; de riso fácil, sempre com uma piadinha pronta ou uma boa história para contar. Se vivêssemos juntos agora, seríamos grandes amigos.
Dos meus quase trinta anos, vivi dez com ele. Saímos de casa, começamos de novo e sem ele. Vi minha mãe sofrer muito para nos sustentar, enquanto eu vivia com minhas fantasias de criança e observava meus irmãos crescerem - melhor, engrandecerem-se. No começo de minha adolescência o via esporadicamente, e depois ele mudou de estado, indo morar com uma irmã.
Se eu tiver um filho, não quero que sinta o que senti ao saber da morte do pai: indiferença.
Hoje não quero pêsames, não quero nada, apenas que não falem comigo nem que exijam coisa alguma.
Essa distância, essa ausência, ajudou a me moldar. Não sou uma ave que foi ensinada a caçar, mas aprendi a escalar picos sozinho, e devo isso involuntariamente a meu pai, bem como inumeráveis exemplos, para o bem e para o mal.
E basta.
é.
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