Começo com uma pergunta e pedindo-lhe que reflita comigo a respeito dela.
Uma das coisas que nos define como seres humanos é a vida em sociedade. Saber lidar com o diferente, aprender a valorizar experiências, dividir nossa ignorância e nossos conhecimentos, tudo isso faz parte da vida em comum. Ao vivermos num mundo obrigatoriamente coletivo, percebemos que aos poucos passamos a fazer parte de teias de relações com outros seres humanos (e mesmo com animais, mas isso fugiria ao que quero comentar). Algumas dessas relações nos são dadas, e a isso chamamos família. Outras são construídas e desconstruídas ao longo de nossas vidas, e essas são a amizade e os amores.
Já deu para ver que estou falando de afeto, não é? E afeto em várias escalas, mas o que me interessa neste momento é o que existe entre pessoas que se consideram amigas. A amizade costuma se dar por afinidades, que podem ser de infinitas categorias: de gênero, de gostos afins, de contiguidade num mesmo espaço (quando uma relação de coleguismo evolui para uma amizade) e por aí vai. Se você já teve algum amigo, sabe do que estou falando, certo? :)
E por que a amizade é tão boa, como dizem? Porque é numa relação de afeto que se dão muitas coisas boas da vida! É apenas com um amigo que você pode partilhar quem você realmente é, pode rir de coisas estapafúrdias e agir sem esperar julgamento (ou ao menos, menos). Podemos nos ferir ao longo da vida e sem dúvida nos ferimos, e a amizade é um dos melhores bálsamos de que podemos nos valer. E podemos curar e apoiar também. Esta é uma das belezas da amizade: ela é uma via de mão dupla.
Mas -- sempre há um mas --, quem tem amigos também pode ter problemas. O principal, eu diria, é a provável dissonância que pode surgir numa amizade com o passar do tempo. Qual pessoa não muda ao longo do tempo? Você pode ter filhos, mudar de emprego e de vida, perder os pais, aprender a tocar um instrumento, passar por uma experiência de quase morte, largar tudo e ir para o Alasca, ganhar na loteria, ler um livro que te dê um estalo, entrar na faculdade, se mudar para outro país etc. Ou simplesmente pode mudar sua maneira de ver as coisas com o tempo, paulatinamente, e não perceber a mudança. Acontece que pessoas mudam. Se dessa mudança não vier maturidade, a amizade pode sofrer um forte abalo e se transformar em cobrança ou em uma forma limitada de inimizade.
Assim como na música, na amizade há ressonâncias, pausas, momentos de emoção e outros que dão sono e por aí vai. Não aceitar todos os aspectos dela (ou pior, não buscar entendê-los) seria limitá-la e transformar sua melhor característica, os laços, em grilhões. Quantas amizades não se extinguiram por conta de uma atitude unilateral? E quantas não evoluíram para outros tipos de afeto ou floresceram mais resplandescentes também por conta de alterações de atitudes ou mesmo de uma entendimento mais profundo do outro?
jequitibá-rosa |
Eu retomo a questão lá de cima. O que é a amizade para mim? Ela não tem um valor em si nem é um poder absoluto que tudo vence; essas são idealizações nocivas. Amizade é interação! Ela não é uma rocha firme, mas uma árvore que cresce com galhos tortuosos em uma matemática própria, e que eventualmente acaba morrendo e dando mudas. Mas lembre-se: existem árvores que vivem mais de um século!
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