quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A mão pesada de um poder imaginário

Este texto não procura dar nenhuma solução para o problema do abuso de poder policial (no caso, municipal), apenas levantá-lo e aumentar a inquietação sobre o assunto, que, pelo andar das coisas, infelizmente demorará um bocado para se tornar obsoleto.

A cada dia temos mais e mais provas de como o modelo repressivo de manutenção da ordem, que herdamos do governo ditatorial (com resquícios da Primeira República, por sua vez com prováveis respingos da Força Pública imperial), não funciona.

Muitas vezes, a sanção vem antes de uma averiguação imparcial ou mesmo de uma conversa. Seja numa voz mais dura, numa proximidade corporal desnecessária, num tapa no rosto, numa imobilização, a sanção vem antes da elucidação. Há sempre um culpado, e a possibilidade de ele ser você é grande. O espaço público é tutelado por um braço irritadiço e pesado, que não sabe avaliar ou compreender as várias formas de uso desse espaço. Sabe-se apenas guardião e julga-se autorizado para usar de força na maioria dos momentos, mesmo que os regimentos digam o contrário. O cidadão que fugir à regra pode ser punido com uma desmesura que só quem já a sofreu sabe o tamanho.



Policial civil à paisana ameaçando skatista. Pça. Roosevelt, Sao Paulo, 2013. 
(ver na íntegra)


Uma das bandeiras levantadas por algumas camadas da sociedade civil é acabar com o status militar da PM, o que seria um passo importante na reconstrução do imaginário de poder; não apenas uma mudança de nome, mas de estatutos e da visão que esses agentes de ordem têm de si e de suas funções numa sociedade sadia -- essa expressão chega a soar irônica, ou pior, utópica. 

O problema é que isso não basta. É um passo importante mas não basta, como se pode provar pelas ações truculentas das guardas civis que têm chegado a lume pelas redes sociais, e exemplos disso não faltam: temos o caso do skatista curitibano em meados de 2012, o dos agentes municipais em Belo Horizonte e por aí vai. Uma busca rápida pelo Youtube provavelmente trará mais visões desse sintoma, basta gastar um minuto procurando (aqui nos voltamos mais às polícias municipais, mas não podemos esquecer das ações da Polícia Federal contra os Munduruku em 2012, menos uma atitude irracional do que um ato estratégico do Governo Federal, mas muito mais nocivo, por mostrar como o Estado pode se voltar contra seus cidadãos).

A Guarda Civil ou Municipal não tem status militar, mas muitas vezes partilha do delírio de poder de sua correspondente estadual, a PM. Numa análise rápida, o sintoma não nos permite encontrar a raiz do mal, mas depurar um futuro diagnóstico, o de que não é apenas o status militar que torna a polícia excessivamente violenta; devemos lembrar também da relação entre o imaginário de poder criado pela herança militar e as forças de ordem pública.

Não podemos esquecer que vivemos num país em que dois regimes foram derrubados com participação expressiva do Exército, e mesmo que seu poder hoje não seja tão nítido, resíduos dele se espalharam pela sociedade. Não há um viés político para escoar esse poder, que acabou se esvaindo e se transfigurando em pura força e em espasmos menores, todos abusivos e que fogem à real atribuição das forças de ordem. Num país sem tradição democrática como o nosso, o abuso do poder das forças de ordem é uma prática arraigada profundamente em nosso substrato, e será muito difícil arrancar estas raízes e preparar o solo para um Brasil menos truculento. 

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