sábado, 13 de abril de 2013
Justiça, medo e vingança
Um cumprimento de sentença no sistema penitenciário deveria se pautar pelo afastamento do penalizado da sociedade, culminando numa futura ressocialização dele. Na real, o que acontece não é isso: é apenas castigo. Ninguém no Brasil é posto numa penitenciária para ser reeducado e entrar em consonância com seus pares, mas simplesmente para ser punido. Até porque penitenciária = lugar de penitência.
E ser "ressocializado" para quê? Para continuar sem um emprego decente, com um salário que dê para comprar aquilo que as propagandas jogam em nossa cara, que devemos ter? Celulares, carros novos, roupas com uma palavra estampada; emblemas de que você não está à margem. E como voltar a fazer parte da sociedade, se você nunca esteve efetivamente nela?
Um exercício básico e que poucos parecem praticar é o da alteridade. Coloque-se na posição do outro; pare de pensar que o seu lugar é dentro do carro e que o mal vai te atacar pela janela aberta do seu carro. Imagine-se morando na periferia. Imagine-se filho de migrantes. Imagine-se num contexto em que é mais fácil entrar para o crime do que conseguir um emprego. Imagine-se sem uma educação formal sólida (que deveria ser fornecida pelo Estado, lembre-se) que lhe permitisse passar em concursos públicos ou conseguir trabalhos de remuneração razoável.
Agora, imagine-se por outro prisma: o da vingança. O das paixões. O da justiça. Reflita se o que deseja é um país sem crimes ou se prefere que todo criminoso seja punido. No primeiro caso, a solução -- embora utópica -- seria dividir a renda e criar condições para que todo brasileiro, desde a infância, entrasse em contato com a cultura e tivesse condições dignas de moradia, de alimentação, de saneamento -- pense só na revolução interna pela qual o Estado deveria passar para isso acontecer, já que essa é a base da gênese de um cidadão; o segundo caso é mais simples: aumentar o número de presídios, diminuir a tão falada maioridade penal, aumentar e aparelhar o efetivo policial (sabe, a rrrota na rrrua?).
A primeira opção é virar o país do avesso em busca de uma igualdade mínima; a segunda, manter o statu quo, em que pessoas continuarão sendo mortas por ninharias, e os sobreviventes desejarão punição por vingança, por medo e pelo que julgam ser justiça.
domingo, 17 de março de 2013
Sobre a amizade
O que é a amizade para você?
Começo com uma pergunta e pedindo-lhe que reflita comigo a respeito dela.
Uma das coisas que nos define como seres humanos é a vida em sociedade. Saber lidar com o diferente, aprender a valorizar experiências, dividir nossa ignorância e nossos conhecimentos, tudo isso faz parte da vida em comum. Ao vivermos num mundo obrigatoriamente coletivo, percebemos que aos poucos passamos a fazer parte de teias de relações com outros seres humanos (e mesmo com animais, mas isso fugiria ao que quero comentar). Algumas dessas relações nos são dadas, e a isso chamamos família. Outras são construídas e desconstruídas ao longo de nossas vidas, e essas são a amizade e os amores.
Já deu para ver que estou falando de afeto, não é? E afeto em várias escalas, mas o que me interessa neste momento é o que existe entre pessoas que se consideram amigas. A amizade costuma se dar por afinidades, que podem ser de infinitas categorias: de gênero, de gostos afins, de contiguidade num mesmo espaço (quando uma relação de coleguismo evolui para uma amizade) e por aí vai. Se você já teve algum amigo, sabe do que estou falando, certo? :)
E por que a amizade é tão boa, como dizem? Porque é numa relação de afeto que se dão muitas coisas boas da vida! É apenas com um amigo que você pode partilhar quem você realmente é, pode rir de coisas estapafúrdias e agir sem esperar julgamento (ou ao menos, menos). Podemos nos ferir ao longo da vida e sem dúvida nos ferimos, e a amizade é um dos melhores bálsamos de que podemos nos valer. E podemos curar e apoiar também. Esta é uma das belezas da amizade: ela é uma via de mão dupla.
Mas -- sempre há um mas --, quem tem amigos também pode ter problemas. O principal, eu diria, é a provável dissonância que pode surgir numa amizade com o passar do tempo. Qual pessoa não muda ao longo do tempo? Você pode ter filhos, mudar de emprego e de vida, perder os pais, aprender a tocar um instrumento, passar por uma experiência de quase morte, largar tudo e ir para o Alasca, ganhar na loteria, ler um livro que te dê um estalo, entrar na faculdade, se mudar para outro país etc. Ou simplesmente pode mudar sua maneira de ver as coisas com o tempo, paulatinamente, e não perceber a mudança. Acontece que pessoas mudam. Se dessa mudança não vier maturidade, a amizade pode sofrer um forte abalo e se transformar em cobrança ou em uma forma limitada de inimizade.
Assim como na música, na amizade há ressonâncias, pausas, momentos de emoção e outros que dão sono e por aí vai. Não aceitar todos os aspectos dela (ou pior, não buscar entendê-los) seria limitá-la e transformar sua melhor característica, os laços, em grilhões. Quantas amizades não se extinguiram por conta de uma atitude unilateral? E quantas não evoluíram para outros tipos de afeto ou floresceram mais resplandescentes também por conta de alterações de atitudes ou mesmo de uma entendimento mais profundo do outro?
Eu retomo a questão lá de cima. O que é a amizade para mim? Ela não tem um valor em si nem é um poder absoluto que tudo vence; essas são idealizações nocivas. Amizade é interação! Ela não é uma rocha firme, mas uma árvore que cresce com galhos tortuosos em uma matemática própria, e que eventualmente acaba morrendo e dando mudas. Mas lembre-se: existem árvores que vivem mais de um século!
Começo com uma pergunta e pedindo-lhe que reflita comigo a respeito dela.
Uma das coisas que nos define como seres humanos é a vida em sociedade. Saber lidar com o diferente, aprender a valorizar experiências, dividir nossa ignorância e nossos conhecimentos, tudo isso faz parte da vida em comum. Ao vivermos num mundo obrigatoriamente coletivo, percebemos que aos poucos passamos a fazer parte de teias de relações com outros seres humanos (e mesmo com animais, mas isso fugiria ao que quero comentar). Algumas dessas relações nos são dadas, e a isso chamamos família. Outras são construídas e desconstruídas ao longo de nossas vidas, e essas são a amizade e os amores.
Já deu para ver que estou falando de afeto, não é? E afeto em várias escalas, mas o que me interessa neste momento é o que existe entre pessoas que se consideram amigas. A amizade costuma se dar por afinidades, que podem ser de infinitas categorias: de gênero, de gostos afins, de contiguidade num mesmo espaço (quando uma relação de coleguismo evolui para uma amizade) e por aí vai. Se você já teve algum amigo, sabe do que estou falando, certo? :)
E por que a amizade é tão boa, como dizem? Porque é numa relação de afeto que se dão muitas coisas boas da vida! É apenas com um amigo que você pode partilhar quem você realmente é, pode rir de coisas estapafúrdias e agir sem esperar julgamento (ou ao menos, menos). Podemos nos ferir ao longo da vida e sem dúvida nos ferimos, e a amizade é um dos melhores bálsamos de que podemos nos valer. E podemos curar e apoiar também. Esta é uma das belezas da amizade: ela é uma via de mão dupla.
Mas -- sempre há um mas --, quem tem amigos também pode ter problemas. O principal, eu diria, é a provável dissonância que pode surgir numa amizade com o passar do tempo. Qual pessoa não muda ao longo do tempo? Você pode ter filhos, mudar de emprego e de vida, perder os pais, aprender a tocar um instrumento, passar por uma experiência de quase morte, largar tudo e ir para o Alasca, ganhar na loteria, ler um livro que te dê um estalo, entrar na faculdade, se mudar para outro país etc. Ou simplesmente pode mudar sua maneira de ver as coisas com o tempo, paulatinamente, e não perceber a mudança. Acontece que pessoas mudam. Se dessa mudança não vier maturidade, a amizade pode sofrer um forte abalo e se transformar em cobrança ou em uma forma limitada de inimizade.
Assim como na música, na amizade há ressonâncias, pausas, momentos de emoção e outros que dão sono e por aí vai. Não aceitar todos os aspectos dela (ou pior, não buscar entendê-los) seria limitá-la e transformar sua melhor característica, os laços, em grilhões. Quantas amizades não se extinguiram por conta de uma atitude unilateral? E quantas não evoluíram para outros tipos de afeto ou floresceram mais resplandescentes também por conta de alterações de atitudes ou mesmo de uma entendimento mais profundo do outro?
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jequitibá-rosa |
Eu retomo a questão lá de cima. O que é a amizade para mim? Ela não tem um valor em si nem é um poder absoluto que tudo vence; essas são idealizações nocivas. Amizade é interação! Ela não é uma rocha firme, mas uma árvore que cresce com galhos tortuosos em uma matemática própria, e que eventualmente acaba morrendo e dando mudas. Mas lembre-se: existem árvores que vivem mais de um século!
segunda-feira, 11 de março de 2013
Dança ao som de cravo
tenho muito a dizer
mas me some a voz.
minhas cartas não chegam,
interceptadas por mão veloz
— saiba: a minha
e parece que bailamos
na eterna dança dos tolos
nunca um tirando o outro
mas apenas vendo o ombro alheio
passar e passar e passar
terça-feira, 5 de março de 2013
Vocabulárhio
É curioso como a palavra "emprego" foi limada do vocabulário das empresas, provavelmente porque ela implica um uso: da força de trabalho, do trabalhador. Afinal, se você é empregado, você é, em outras palavras, usado, tal como uma ferramenta, e é assim que as coisas funcionam no sistema em que vivemos.
Trocou-se:
emprego por oportunidade
empregado por colaborador
emprego novo por novos desafios
São sempre palavras que trazem visagens positivas sobre o trabalho numa empresa: a oportunidade de melhorar, o colaborar com uma equipe e assim fazer parte de algo maior que si mesmo, os desafios a serem transpostos e o caráter heroico que isso carrega em seu bojo.
E o que acontece? A verdade é escamoteada, e muitos passam mesmo a acreditar nessas quimeras, esquecendo que uma empresa sempre vai explorar seu funcionários, seus empregados; e isso não é um juízo moral - é tão somente um fato, para o bem e para o mal.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Confessional
recriei você em minha cabeça
tão perfeita em seus erros e sorrisos,
quase uma deidade de cabelo esvoaçante
uma visão forte demais, uma visagem.
faço isso com todos: os refaço
você porém é diferente -
me domina sem esforço ou jugo
aparece no meio da noite e não diz nada
surge em meu computador e me abre o mundo
desponta andando no meio de um poema,
me olha de esguelha e vai embora
ora se fecha em copas
ora se abre em flor
aprendi a não lhe seguir
a deixar que venha ou parta
como uma pétala ao oceano, fugidia
recriei você em meu peito
você porém é diferente
- e saiba: de tudo.
tão perfeita em seus erros e sorrisos,
quase uma deidade de cabelo esvoaçante
uma visão forte demais, uma visagem.
faço isso com todos: os refaço
você porém é diferente -
me domina sem esforço ou jugo
aparece no meio da noite e não diz nada
surge em meu computador e me abre o mundo
desponta andando no meio de um poema,
me olha de esguelha e vai embora
ora se fecha em copas
ora se abre em flor
aprendi a não lhe seguir
a deixar que venha ou parta
como uma pétala ao oceano, fugidia
recriei você em meu peito
você porém é diferente
- e saiba: de tudo.
Paisagem de Santos
a brisa atlântica não me traz certezas
talvez pequenas epifanias e algum sal
talvez, apenas
na dúvida, estou na praia e sinto o vento
e uma distância oceânica me beija os olhos
concluo que não sei nadar e não sei desistir.
talvez pequenas epifanias e algum sal
talvez, apenas
na dúvida, estou na praia e sinto o vento
e uma distância oceânica me beija os olhos
concluo que não sei nadar e não sei desistir.
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