sábado, 16 de novembro de 2013

Jamais me convide para beber. Não há coleguismo na empunhadura do copo ou transfiguração que me faça enxergar a felicidade escondida no álcool. Não gosto, simplesmente.

É curioso ter uma postura dessas num mundo em que todos bebem. Mais curioso é pensar desse modo e passar a noite lendo Omar Khayyam. Bom, ao menos, alguns de seus versos me absolvem.

Considera com indulgência os que bebem até a embriaguez.
Lembra-te de que tens defeitos maiores.
Se queres conhecer a paz e a serenidade, pensa
nos miseráveis que padecem os piores infortúnios e... acabarás por julgar-te feliz.
Só me cabe reconhecer minha arrogância e deixar os que se divertem do jeito deles lá, enquanto me divirto do meu cá.


domingo, 10 de novembro de 2013

A confusão de uma pessoa apaixonada geralmente tem um pouco de lugar-comum, outro tanto de expectativas e abertura ao inesperado. Além de um prenúncio à dor. Já diziam os antigos trovadores, "tu me confundes".


O que os olhos não Vem cá!
O coração não Sente-se, fique à vontade.

sábado, 2 de novembro de 2013

ao voltar de férias

pela duração do descanso merecido,
não houve tempo de negar o negócio
pelo meu ócio
já que a regra não beneditina – ora, bolas
me acossava, asseverando o retorno protocolado
em vias de fato, do funcionário 26/2252
a seu novo posto de trabalho:
próximo a uma janela com sol enquadrado em moldura
por conta de reconstrução de organograma,
de metodologias sem ângulos agudos,
de ave césar, do ministério da educação
tudo corrido, sem fôlego e sem pressa, ao longo dos anos.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Manual de olvido

aproveitar a procura
e não encontrar um nada de recordo
uma faca sem corte de tanto que cortou
uma foto seca, sem cor
um talo de flor que murchou dentro dum copo
alguma lembrança que por ventura se salvou

procurar fotos e não encontrá-las
visar o chão e não ver sangue derramado
ver-se no espelho e não reconhecer-se
em rugas, ricto e rasgos.

pensar na morte do leiteiro
na biblioteca sem fim no cacto
na Ismália nas pegadas do caminhante
no elefante no albatroz
enganar-se na porfia com falsa medida
cosendo com os pontos de Penélope.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

o Nada

o poeta Affonso Romano de Sant'anna certa vez
disse que um amigo, ainda criança
contou-lhe o caso dum professor da infância
o mestre asseverou que sua aula não servia para nada
veio o choque e a pergunta e a resposta
"agora, vou lhes ensinar o que é o Nada"

poeta operário

poeta operário acorda e trabalha
poeta operário luta dia a dia por seus filhos
pais e dependentes
não há tempo para entrar em refrega
ou escrever texto em resposta
à resposta do desafeto
poeta operário tem de trabalhar
dia a dia, sol a sol, sem cessar
com ritmo e repetição
em sua máquina emprestada
para, à força de engrenagem,
cuspir um pedaço de si
um minúsculo pedaço de nada